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Escrevi esse texto em 29 de abril de 2015... Em meio ao processo de Criacao da Performance "Ruido Rosa".

Hoje, Outubro de 2020, recuperando de uma mastectomia bilateral depois de ter passado por mais um cancer de mama em 2017, e de ter descoberto que sou BRCA2 e CHECK 2 positivo, compartilho o texto abaixo, para lembrar, ate a mim mesmo, da luta, e da perseverança, de todos que vivem ou que já viveram todos os tons de rosa que a vida nos traz...

Um dia da Dança Cor de Rosa... 

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UM DIA 29 DE ABRIL COR DE ROSA! UM VIVA AO DIA INTERNACIONAL DA DANÇA!

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Começo o dia de hoje dançando... fazendo minha aula de Ballet sagrada... buscando equilíbrio, força, concentração... e comemorando o DIA INTERNACIONAL DA DANÇA! Há um ano atrás iria enfrentar uma mastectomia radical bilateral. A cirurgia em si não me amedrontava... Tentava me consolar de diversas formas. Já tinha decidido que gostava da sensação do propofol (essa é parte da minha personalidade que gosta de transformar tragédia em comédia...rs...). Também havia decidido que confiava nos médicos, que suportaria o processo pós cirúrgico, já que essa seria a terceira cirurgia e por isso muita coisa não seria novidade, mas que, acima de tudo, tinha fé na vida... aquela fé que nos faz rir até de momentos assim... aquela fé que "não costuma faiar", quando se acredita que nada na vida NADA é “por acaso”, mas que o acaso é determinante, como diz meu eterno mestre Merce Cunningham... 
Para ajudar a enfrentar as situações que não podemos controlar... acho que as vezes Deus nos faz rir... e no dia 29 de abril do ano passado, as situações engraçadas foram muitas. Nunca esquecerei das próteses de seios em cima da mesa do médico e eu nervosamente perguntando: “ mas para que serve isso”? Também não esquecerei as cantadas que levei dos ditos “profissionais da saúde”, que nessas horas se fazem “humanos” mas esquecem que seus pacientes têm sentimentos. Também não esquecerei as risadas com as amigas que acompanhavam tudo e tentavam descontrair aquele clima tão tenso e assustador contando histórias engraçadas. 
Mas enquanto tudo isso acontecia, o coração tinha medo. Medo principalmente do que seria a minha dança dali em diante... medo da queda de cabelo... medo da queda do corpo... da reação dos “outros”, medo de não “dar conta” (como dizem os mineiros) do emprego que acabava de assumir na UFMG e que tanto precisava que estivesse “inteira”. Medo de passar por tudo que meus pais haviam passado nos últimos anos... E eu sentia MUITO a falta deles! 
Mas momentos como esses nos ensinam muito, e passar por tudo isso me fez aprender:
1- Que nesses momentos, contaremos com aquelas pessoas que querem fazer parte da nossa vida, e que por isso, estarão sempre prontas para nos ajudar! E também contaremos com a ajuda dos que chamo “anjos da vida”, que aparecem quando menos esperamos, para nos fazer acreditar que a bondade existe! 
2- Que enquanto vivemos, nada é irreversível!
3- E que muitas vezes, A DOR É INEVITÁVEL, MAS O SOFRIMENTO É OPCIONAL! 
Hoje, ainda entre exames e tensões mas dançando diariamente como se nada tivesse acontecido, poder dividir minha história com vocês, mas poder dizer que a as próteses ou a mastectomia radical bilateral não foram necessárias, afirmar que as dores foram muitas (pois duas quadrantectomias e a radioterapia ainda aconteceram), mas dizer que voltei a dançar, é me aproximar da certeza que podemos escrever a nossa própria história, que OS NOSSOS CORPOS ESCREVEM A NOSSA DANÇA E A NOSSA HISTÓRIA e QUE MUITAS VEZES, ESSAS COISAS SÃO INSEPARÁVEIS... 
E foi acreditando em tudo isso, que a cor rosa, tão associada ao câncer de mama, ao tão famoso OUTUBRO ROSA, no ano de 2014 se transformou nos vários tons de ROSA que podemos viver nessa vida e na nossa dança (muito mais que 50 tons). 
O Rosa que foi bebê, menina, rosa do algodão doce, rosa mulher, ballet, sapatilha, sapatilha de ponta, tutu de bailarina, rosa cafona, rosa-choque, rosa sedução, mas de repente, muito mais que de repente, tudo era rosa, vira Outubro Rosa, batas de hospitais rosas, adesivos rosa, fitinhas rosas nos jalecos dos médicos, outdoors rosa, tudo rosa!!!! ... agonizantemente rosa ... 
E na mistura entre agonia e esperança surgiam movimentos ... o rosa instigava à criação de tons desses rosas que virariam outros rosas no corpo dos intérpretes/criadores, estudantes da disciplina Pratica de Danca VIII do Curso de Dança da UFMG... 
E assim surgiu o nosso primeiro “Ruído Rosa". Ao elenco do “Ruído Rosa”, minha eterna gratidão!!!! Amarei vocês para sempre! 
A todos que tanto apoiaram esses momentos tão difíceis (e fica impossível citar nomes aqui, mas vocês sabem quem são), o MEU MUITO OBRIGADA! 
A todos que vivenciam ou vivenciaram seus momentos cor-de-rosa: que a luta continue sempre cheia de esperança, que possamos enxergar cada vez mais os milhares tons de rosa que a vida nos traz! 
Hoje o dia é de celebração, de homenagem e de gratidão a todos que diariamente me ensinam a viver bem!

 

 

Que o nosso "Ruído Rosa" se espalhe pelo mundo, pela luta, pela perseverança, pela conscientização de todos que vivem ou que já viveram todos os tons de rosa que a vida nos traz.

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                                                                                                                                                    Juliana Azoubel 

                                                                                                                                                            29/04/2015

 

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